O muro de Berlim caiu e com ele os dois blocos deixaram de fazer sentido. É inútil, no século XXI, continuarmos a olhar para a esquerda e para a direita como símbolos de comunismo e capitalismo. Sabemos contudo que continuam a existir diferenças fulcrais, que tocam sobretudo no que diz respeito à organização económica do estado e aos valores da sociedade.
A democracia é hoje um facto na esmagadora maioria dos países civilizados. Daqui a vinte anos será também uma nota dominante na maioria dos outros. Sabemos que não é perfeita e que traz consigo vícios maléficos, mas como disse alguém um dia: é hoje o mal menor. Visto isto quer a esquerda, como a direita, terão que aceitá-la, em nome da moderação e da muito falada soberania popular. Outro aspecto que é também comum tanto ao que a esquerda e a direita têm de bom é a já inevitável economia de mercado. Para a esquerda moderna a economia comunista já não faz qualquer sentido, tal como para a direita já não é possível o cooperativismo.
A economia é hoje um dos aspectos principais onde se pode distinguir a esquerda da direita. Não quero com isto pôr em dúvida, como já referi em cima, a defesa da economia de mercado, mas pretendo abordar a forma como o estado deve intervir na economia. Para as pessoas de esquerda como eu, o estado tem que ter um papel fulcral na mesma, tem quer ser o primeiro alicerce regulador e ter mecanismos sociais que garantam que serviços como a saúde e o ensino são gratuitos, acessíveis a todos e de qualidade. Utilizo como exemplo do que é a esquerda que eu defendo, os países escandinavos protagonizados por figuras como Olof Palme, assassinado há 21 anos quando saía do teatro. Do ponto de vista da doutrina económica é inevitável referir o britânico Keinz e a sua defesa intransigente do Estado Social.
Para a nova direita parece que o slogan para a economia é apenas um: liberalizar. Tudo quanto é estado só atrapalha e o primeiro dos direitos fundamentais é a livre iniciativa privada. E qual o resultado desta política? É fácil a resposta: Mais desemprego, mais exclusão social e principalmente maior disparidade entre os mais ricos e os mais pobres. Em suma, a direita mantém-se ao longo dos séculos fiel a um propósito: a defesa dos mais ricos; enquanto a esquerda continua, tal como no século XIX com Karl Marx, na defesa dos mais pobres, na luta contra aquela que é a pior das realidades humanas: a exploração do homem pelo homem. Sou de Esquerda porque defendo a conquista da igualdade e da justiça social através dos mecanismos próprios do estado democrático e desenvolvido.
No que diz respeito ao campo dos valores, é fácil verificar que esquerda e direita invertem os papéis que defendem em áreas como a economia. Temos pois do lado da esquerda o pensamento liberal, e do lado da direita o pensamento conservador. Atrevo-me mesmo a constatar que a esquerda tem os olhos no futuro, enquanto a direita continua presa ao passado.
A nossa posição não é muito difícil de perceber, se atendermos ao facto da esquerda estar historicamente ligada à luta pela igualdade e pela laicidade do estado. Achamos pois, que o estado não tem o direito de impor uma moral aos seus cidadãos, perante isto não podemos aceitar viver num país onde os homossexuais são discriminados na lei do casamento civil, onde o consumo de drogas leves é proibido, onde a prostituição é ilegal levando a que seja praticada sem condições sanitárias e onde mulheres eram perseguidas e julgadas por abortarem.
Pessoalmente não sou homossexual, mas acho que o papel do estado não é impor nenhuma conduta sexual; tal como não sou toxicodependente, embora pense que a liberalização das drogas leves permitia que a venda das mesmas não fosse feita pelas redes de tráfico que posteriormente levam os consumidores às drogas duras; tal como não frequento casas de prostituição, embora seja da opinião que a mesma deveria ser feita em sítios com condições de higiene e que pagassem impostos; por fim também seria incapaz de pedir a uma mulher que fizesse um aborto, embora ache que o estado não a pode prender, depois da mesma ter tomado uma opção que de certeza não foi feita de ânimo leve.
Resta-me apenas concluir, afirmando a minha certeza em como é importante que a Esquerda siga o seu rumo, sempre fiel ao que para mim é o mais elementar dos seus princípios: a igualdade. Aprendemos com a história que a ditadura do proletariado não é o caminho certo, mas aprendemos também que todas as nossas lutas permitiram que, no século XXI, Portugal seja um país democrático, onde existe um sistema de segurança social público, onde existem direitos laborais, onde o ensino e saúde são cada vez menos acessíveis apenas aos mais ricos e onde a igualdade de género é cada vez mais uma realidade. Novas lutas virão e a esquerda democrática estará, como sempre, preparada para os novos combates.
João Gomes