Wednesday, February 28, 2007

É, ou não é?

A questão do casamento homossexual carece, antes de mais, de algumas referências atinentes à realidade em que estamos inseridos.

Primeiro, a terminologia; casamento é, de acordo com o “Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora”, “a união legal de homem e mulher para constituir família”. Estando levantada a hipótese, pelo dicionário, de que casamento é sinónimo de união legal, interessa saber o que nos diz o Código Civil sobre o casamento: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.” (artigo 1577.º - Noção de casamento).

Estamos assim a afastarmo-nos, tanto quanto possível, do debate religioso da questão. Ainda que importante parte da discussão, dado que o casamento é uma “importação” dos estados laicos a partir do domínio espiritual e dado que este que vos escreve entende o casamento como um laço ratificado pelo poder espiritual, o conceito religioso do casamento não é o cerne do tema sobre o qual nos pretendemos debruçar.

Chegamos então à conclusão que, actualmente, o casamento é o “clube exclusivo” daqueles que pretendem constituir família com outrem do sexo oposto. Então e os que pretendem aumentar os convivas à mesa dos almoços de Domingo em família, por meio da união legal com alguém do mesmo sexo? Poderão estas pessoas alimentar este desejo?

A resposta é afirmativa. Lei nenhuma nos impede de ambicionar o que quer que seja. O domínio da mente e daquilo que dela não sai, não concerne ao ordenamento jurídico. Todos nós, seres considerados capazes por lei para o fazer, podemos casar. Não podemos é satisfazer a ambição de constituir família com alguém do mesmo sexo que o nosso. Ou seja, homossexuais ou não, homens ou mulheres, todos podemos casar. Não podemos é casar com alguém do mesmo sexo; ou casar não fosse a “união legal de homem e mulher”…

O casamento é um instituto que, ultrapassando as barreiras do sagrado, se tornou parte da vida secular. Com o movimento de laicização do estado, o casamento deixou de ser um mero elemento da vida espiritual dos homens, passando a ser assunto de interesse para o próprio estado. Assim, uma tradição espiritual foi absorvida pelo poder secular, sendo que permanecendo sob domínio do poder temporal durante, no caso português, 100 anos, essa mesma tradição temporalizou-se.

O argumento de que os pares casados possuem vantagens, como por exemplo a nível tributário, não reúne qualquer espécie de validade. A hipótese de atribuir essas mesmas vantagens a uniões de pessoas do mesmo sexo estará sempre equacionável. Mais, a Lei n.º 7/2001 já regula “a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto…”. Desta forma, a única hipótese que se exclui, pela mesma razão que se exclui o quebrar da lei da gravidade, é chamar “casamento” àquilo que não é casamento.

Então o que é isto do “casamento homossexual”? Na minha humilde opinião, não é nada. Ou antes; será o mesmo que um “alívio doloroso”, ou um “doce amargo”… Interessante antítese, mas nada mais que um exercício de sofística, que maliciosamente lança a dúvida sobre aquilo que deveria ser claro.
João Prazeres de Matos

4 comments:

RICARDO PITA said...

não vou refutar os teus argumentos individualmente, mas globalmente eles não recolhem consenso. por outro lado, a associação do casamento à obrigração de procriar só existe no casamento católico. por isso não vislumbro argumentos que se possam opor ao casamento de homossexuais.

João Prazeres de Matos said...

caro ricardo,
ninguém falou em procriar. se te referes ao "constituir familia", devo partir do pressuposto que consideras que duas pessoas casadas, impossbilitadas de terem filhos, não são uma familia.
opinião esta com a qual não concordo, obviamente.
obrigado.

MCA said...

Boa sorte para o projecto. A ideia é boa, vejamos como resulta. Vou acompanhar.

Francisco X. S. A. d'Aguiar said...

Meu caro amigo João Matos, considerar esta questão como esquerda vs direita é um erro. Há muito boa gente de direita que é a favor dos casamentos homossexuais e tu até conheces alguns.
Eu, pessoalmente, sou a favor da extinção da figura civil do casamento.
Abraços